domingo, 28 de julho de 2013

Impressões sobre o atual cenário político

No ano passado o Brasil foi assolado, do Oiapoque ao Chuí, por uma onda de protestos nunca antes vista na história desse país (plagiando Lula, que mencionarei mais à frente). As manifestações começaram espontaneamente, apolíticas, envolvendo todas as classes e castas que compõem a sociedade Brasileira, em um claro grito de "basta".

Ninguém aguenta mais a roubalheira, o descaso com o dinheiro público e, principalmente, nossos "representantes" no poder legislativo, infestado faz tempo, por tubarões, indivíduos pequenos que estão, com rara exceções, mais preocupados em enriquecer a si e aos seus, do que em trabalhar em prol do Brasil.

Nossas autoridades, municipais, estaduais e de Brasília, lidaram com isso, pelo menos no primeiro momento, com a truculência de sempre, soltando a polícia em cima dos manifestantes e utilizando toda a máquina de repressão do estado.

Em um determinado momento, a situação saiu do controle. Perceberam assustados, que o Brasileiro estava cansado de ser um "bom selvagem" e não aceitaria mais, passivamente, a esbórnia que ronda a classe política nesse país.

Em um misto de culpa e medo, assistiram milhares e milhares de pessoas tomarem as ruas, o telhado do congresso, as estradas, os portos, encarando de frente as forças policiais exigindo o fim da bandalheira e da festa da uva.

Nossos políticos, acostumados a caminhar, há anos, para onde a banda toca, não tardaram em perceber que deveriam se curvar aos acontecimentos ou arriscar uma guerra civil. E não se enganem, estivemos bem perto disso.

Vimos várias demandas centenárias serem aprovadas à toque de caixa com uma celeridade de fazer inveja aos arranques de Usaim Bolt. Mensaleiros sendo presos, propostas de castração do Ministério Público e da imprensa sendo arquivadas e a incorporação, por todos os partidos, do discurso de "mudanças já".

Outro efeito do que vimos nestes últimos meses foi o desgaste da imagem do poder executivo, extremamente arranhado ao meter os pés pelas mãos.

Primeiro porque não souberam responder as demandas da população quando tiveram a chance, negociando e fazendo conluios para conseguir aprovar sua agenda política, depois porque a situação econômica do país vai de mal a pior, com a inflação nas alturas, ameaçando destruir todas as conquistas da última década, principalmente a melhoria da distribuição de renda e, finalmente, porque a nova classe média, que ascendeu e melhorou sua qualidade de vida, não quer mais só comida, quer também diversão e arte.

Os "rolezinhos", fale-se o que quiser, não são mais do que sintomas de uma nova geração de brasileiros da periferia que cresceu com muito mais acesso a informação que seus pais, em famílias com uma renda melhor e que, aos milhares, aos milhões começa a mostrar sua cara, a exigir seus direitos.

Os movimentos anarquistas, "black blocs", contrários a qualquer tipo de governo, protestam de forma violenta, destroem o patrimônio público e, as vezes, cometem barbaridades que terminam em sangue e morte, como o triste caso do cinegrafista Santiago Andrade.

Mas, goste-se ou não, eles não passam da ponta do iceberg de um povo cada vez mais cansado dos desmandos de seus governantes. A sensação de exploração, de impotência e de revolta, cria um ambiente ideal para este tipo de movimento.

A história nos ensina o que acontece quando os governantes se distanciam e ignoram os anseios de seu povo. A revolução francesa, nada mais foi do que uma revolta popular contra uma classe dominante completamente alheia as necessidades de seus cidadãos. 

A França sobreviveu a revolução se tornando o farol que norteou e norteia até hoje, os ideais do mundo ocidental, "Liberté, égalité, fraternité".

Mas não se pode dizer o mesmo da nobreza, do Politítcheskoe Byurô (Politburo) francês. Como representantes de um passado pré-histórico, pagaram com suas vidas, transformadas em rios de sangue jorrando das guilhotinas da Place de Concorde, o preço de anos e anos de alienação e soberba. 


O Brasil elegeu, sem medo de errar, o pior congresso nacional de toda sua relativamente curta história republicana. Temos de tudo ali, menos políticos. Além disso, o poder executivo tratou de mostrar sua veia estatizante e intervencionista, lidando com um princípio de crise econômica de maneira atabalhoada, ameaçando arrastar o Brasil para um cenário perigoso e caótico.

Em um ambiente econômico instável, em que as regras e a taxa de juros mudam de acordo com os ventos que sopram na granja do Torto, as empresas não investem, os investidores tiram seu dinheiro do país, o dólar se valoriza mais do que sorvete no deserto e a inflação dispara.

A reeleição de Dilma, antes dada como certa, agora é uma incógnita. Ela não conta com a simpatia de Brasília, aí inclusos aliados, membros da oposição e até de algumas correntes do próprio PT.
A aprovação de sua agenda legislativa esta cada vez mais difícil. Guido Mantega, o ministro da fazenda fanfarrão, que perdeu toda sua credibilidade com o empresariado e o mercado, entregará, neste ano e no próximo, o pior crescimento do PIB das últimas décadas o que ameaça diretamente empregos e os demais ganhos conseguidos nesses anos...

Atacar estes problemas na raiz, é a grande missão do povo brasileiro para 2014. Já esta na hora de aprendermos a votar. Chega de eleger qualquer coisa! Chega de ir a cabine de votação sem um candidato e votar no primeiro que nos dê um santinho!

Cabe a sociedade escolher o Brasil que quer viver. Nas ruas já dissemos que estamos insatisfeitos. Devemos transformar esta insatisfação em um grande pé no traseiro dessa geração de sanguessugas e eleger políticos sérios para colocar, de uma vez por todas, este país nos trilhos.

E cabe a classe política, para seu próprio bem, decidir de vez qual sua participação neste processo, agentes essenciais para mudanças em prol de uma sociedade mais justa ou se tornando vítimas pré-históricas da justiça popular.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

João e Maria - Um conto de fadas moderno

Existe um ramo dos estudos da mente humana, a psicologia da arte, que defende que o uso de metáforas é a maneira mais fácil de se comunicar com uma criança, fazê-la se abrir e expor seus pensamentos...

Um conto de fadas moderno,


João nunca conheceu seus pais.

Tinha sido abandonado na rua, atrás da banca de jornal, dentro de uma cestinha de pão, com uma fitinha verde amarrada em seu braço e um bilhete escrito em letra muito caprichada: “Olá, meu nome é João. Minha mãe não tinha condições de me criar e me deixou aqui na esperança que alguém me dê uma vida melhor. Quem me encontrar, por favor, tome conta de mim”.

A noite, dois policiais que passavam por ali fazendo a ronda, ouviram um choro abafado e baixinho. Foram investigar e encontraram o João quase roxo com o frio que fazia. Consternados com a situação, levaram imediatamente a criança ao orfanato municipal.

Assim que chegaram, João foi colocado aos cuidados de Dona Maria, uma senhora já na casa dos seus 60 anos, responsável pela seção de bebês recém nascidos.

Nunca se soube quem eram os pais de João ou porque ele havia sido abandonado...

Passaram-se os anos e o menino cresceu. No orfanato, fez vários amiguinhos com seu jeito alegre e bonachão, era querido por todo mundo. João estudava com as freiras e voluntários que dedicavam seu tempo e trabalho às crianças sem lar.

Ele tinha uma vida feliz.

João sabia que havia sido abandonado por sua mãe, história que ouviu de Dona Maria quando lhe perguntou sobre seus pais, mas isso não lhe tirava o sono. Ele tinha amigos, estava estudando e o orfanato tinha brinquedos e doces. Do que mais precisava?

Um dia ele acordou e procurou o Pedro. 

Pedro, um moleque ruivo e sardento era seu melhor amigo, se conheciam desde criancinhas, cresceram juntos brincando e fazendo arte. Dona Maria teve muito trabalho com aqueles dois traquinas. Achou estranho não encontra-lo em sua cama, afinal, Pedro era um dorminhoco e João sempre passava por ali para acordá-lo para tomar o café da manhã, que era muito gostoso, sempre com pão quentinho e leite com chocolate. 

João adorava tomar café e conversar com as outras crianças, principalmente com o Pedro.

João procurou na sala, no corredor, no quintal, na cozinha... e não encontrava seu amigo. Começou a ficar preocupado.

Seu Moisés, que era o vigia do lugar, viu João com uma carinha triste e perguntou o que estava acontecendo.

- Seu Moisés, eu não encontro o Pedro, cadê ele? Ele saiu com as freiras? Aprontou alguma e está de castigo? Ou será que ele não gosta mais de mim?

O senhor de barbas brancas sabia o que tinha acontecido, mas preferiu chamar a Dona Maria que, cheia de candura, pegou o garoto no colo e lhe disse que o Pedro havia sido adotado e iria morar agora em uma casa nova, com uma nova família.

João que não entendia muito bem o que era esse negócio de "adotado" mas era muito inteligente, percebeu que não veria mais seu amigo. Ele desandou a chorar e, entre uma lágrima e outra, perguntou:

- Mas ele foi embora sem se despedir de mim?

Dona Maria o abraçou e afagou seus cabelos da forma mais carinhosa possível, mas João não conseguia se conformar com a perda do Pedro.

Depois daquele dia, muitos outros amiguinhos do João também foram embora. Mas as famílias, muitas delas cheias de dinheiro, roupas elegantes e sapatos brilhantes, nunca queriam adotar o João.

Nos dias das visitas ao orfanato, ele tomava banho, colocava sua melhor roupinha, um sorriso no rosto, e ia para o salão onde vários casais iam e vinham, conversando com a molecada, mas nada adiantava, sempre escolhiam outro menino ou menina.

E João ficava muito triste e, com o tempo veio o ressentimento. O que eu fiz que ninguém me quer? – Pensava o garoto. Já não comia nem dormia direito, se metia em brigas e, seu único conforto, eram os braços de Dona Maria, agora já bem velhinha e que sempre cuidou dele, desde seus primeiros dias no orfanato.

- João, não fique assim, você é um garoto de ouro, dizia ela, enquanto passava as mãos em seus cabelos e enxugava as suas lágrimas.

Dona Maria gostava muito de João, talvez por ele ter vindo pequenino, naquela noite fria, trazido pela polícia dentro do cesto de pão. O fato é que ela se afeiçoou a ele desde o primeiro dia...

João já estava quase dormindo e Dona Maria sentia uma sensação boa, de afeto e bem estar. Ao acariciar a cabeça de João, ela vê algo que nunca tinha notado antes. 

O garoto sempre usou uma franjinha que cobria sua testa e, naquele dia, cheia de espanto, ela descobre uma marca embaixo dos cabelos do menino. Ela sabia já ter visto algo parecido antes, mas não lembrava onde.

De repente Dona Maria solta um grito, se levanta e corre em direção ao seu quarto. João, que estava meio sonolento, acordou espantado.

- Dona Maria, aonde a senhora vai? O que aconteceu? Eu fiz alguma coisa?

Dona Maria não respondeu. Chegando ao seu quarto, abre uma caixa bem antiga, onde estavam diversas cartas, fotos e uns livros velhos e se pôs como uma louca a revirar tudo.

E joga livro pra cá, papel para lá, parecia que um furacão tinha passado pelo quarto.

Depois de algum tempo, Dona Maria encontra o que parecia uma fotografia. Depois de olhar por algum tempo para aquele pedaço de papel, ela desanda a chorar como uma criancinha.

João, que havia seguido a Dona Maria até o quarto, perguntou:

- O que eu fiz Dona Maria? Não chora por favor.

- Ah Joãozinho, eu sempre desconfiei , mas não tinha certeza até ver essa marquinha que você tem na testa.

João continuava perdido mas Dona Maria, entre lágrimas, falou:

- João, veja essa foto aqui, é você bebezinho.

João olhou a fotografia e viu um casal que ele não conhecia, segurando um bebe e uma mulher, que parecia filha da Dona Maria, olhando para a criança com candura.

- João, você é o filho de minha irmã, Matilde que morreu em um acidente quando você era bem pequeno. O ex-marido dela, seu pai, fugiu de casa com você logo após essa tragédia. Nunca mais tivemos notícias dele nem de você... Eu pensei que morreria sem te ver de novo... E você esteve aqui comigo, todo esse tempo...

Foi ai que João notou que o bebe da foto tinha a mesma marquinha que ele, bem visível, pois ainda não tinha cabelos na foto... E também percebeu que, realmente, ele tinha muitos traços e trejeitos da velha senhora. E se lembrou de tudo que tinha vivido até ali, de como Dona Maria tinha sido, para ele, a mão que ele nunca teve.

Naquele dia mesmo, Dona Maria e João fizeram um teste de DNA que comprovou o parentesco entre os dois e Dona Maria, toda feliz, levou o menino para viver com ela. 

E quem soube da história não acreditava! Parecia um conto de fadas daqueles que terminam com todos vivendo felizes para sempre...

Depois de tudo o que havia passado, João havia finalmente encontrado um lar e, Dona Maria, um filho...

domingo, 14 de julho de 2013

A parede alta

Era uma vez uma parede alta, suja, escura e fria.
Feita de tijolos de pedra, dor, egoísmo e soberba.

Para proteger da luz do mundo, que cega os olhos do cego.
E dos tsunamis da vida, que afogam aqueles que não aprendem a nadar.

Misturando cigarros e álcool, ao invés de cimento e argamassa,
Alinhada com medos, e não na vertical, era uma parede alta, de inabalável estrutura.

Construída para barrar a entrada do amor que, tal qual o arame farpado,
Fura a carne e rasga a alma, daqueles que não sabem acolhê-lo.

Atrás dessa parede alta, feita de luxúria, lágrimas e sangue,
Se escondia um enorme e tranquilo jardim. Cheio de vida, repleto de cores.

Tão vasto que era possível se perder, caminhando por seus campos.
E podia se escolher entre tomar banho em seus lagos e comer suas frutas.

Ali foram deixados muitos livros, muitas histórias,
Que nunca foram escritos e que nunca foram contadas.

Histórias que roubam seu tempo, perturbam seus pensamentos
Mas no final te dão vontade de vivenciá-las.

Porque tão belo lugar, oculto atrás de parede tão alta?
Que tal qual fronteira em guerra, não permite que se entre nem tolera que se saia?

Ademais, se não se pode entrar nem sair,
Quem ira aparar sua grama, cortar suas ervas daninhas, cuidar de suas flores?

E quem irá, enfim, acreditar que exista tal jardim?
Se aquilo que não se vê, no fundo, não existe?

Era uma vez uma parede alta.
Uma maldita parede alta...



terça-feira, 9 de julho de 2013

Meu avô Zé

Hoje acordei pensando em meu avô. Zé Recife, mineiro de Uberaba, cidade de minha família materna, onde passei muitos julhos e verões.

Meu avô cresceu em uma fazenda, se casou ainda jovem com minha avó (que casal bonito faziam, lembro de uma foto dos dois, provavelmente com menos de 30 anos, pareciam dois artistas de cinema), e era o patriarca de uma família de 6 filhos e quase 30 netos.

Meu avô era um homem de falar pouco, gentil e que adorava a vida.

Adorava jogar buraco. Seu Zé lixava até a alma, chegava a ser irritante como não deixava passar nenhuma carta, ficava com a mão sempre lotada e, quando você pensava que iria lhe dar uma surra histórica, ele descia seu jogo e fatalmente ganhava a partida. Passávamos horas e horas nesse passatempo.

Era uma das poucas pessoas com quem eu falava da minha vida. Conversávamos de tudo. Meu avô me escutava calado, as vezes fazia um ou outro comentário, do alto da sabedoria que só quem viveu muitos anos possui, que me confortavam e me faziam pensar.

Infelizmente o cigarro de palha que fumou a vida inteira cobrou seu preço. Meu avô teve um derrame que lhe deixou com sequelas. Mas meu avô era um lutador. Mesmo com todos os problemas físicos que enfrentava, estava sempre sorrindo, nunca o ouvi reclamando da vida e dava sempre um jeito de caminhar quilômetros, todas as manhãs. As vezes eu o acompanhava nessas caminhadas só para poder conversar. E lá ia meu avô me ouvindo falar por horas, sem dizer quase uma palavra. Ele sabia o quanto era importante para mim desabafar e como eu tinha dificuldade de fazer isso.

Adorava filmes, principalmente aqueles faroestes antigos, estilo Clint Eastwood. Quando ele ia em casa, eu sempre alugava alguns para podermos assistir juntos.

Sua saúde foi ficando mais debilitada ao longo dos anos. Não era uma situação fácil para ele, para minha avó, para todos nós. Mas ele continuava ali, sem reclamar.

É muito duro você ver uma pessoa querida ir morrendo lentamente, sem você poder fazer nada. Eu queria ter estado mais próximo dele nessa época mas eu não conseguia. Não conseguia ver aquele cara que foi meu segundo pai, um cara que eu admirava, que me ensinou tanto, que foi meu companheiro, que me consolou quando eu precisei e estava do meu lado sempre, daquele jeito.

Quando ele morreu, eu não estava no Brasil, estava passando férias em Cancún. Minha família esperou que eu voltasse de viagem para me dizer o que tinha ocorrido. Fiquei muito tempo chateado com minha mãe por isso.

Hoje vejo que no fundo me culpava por não estar com ele naquele momento. Por não ter estado mais próximo naqueles anos finais de sua vida. É uma culpa e um fardo que carrego. 

Mas as lembranças de tudo o que partilhamos juntos, de tudo que aprendi com ele, de seu sorriso gentil, sua fala mansa e seu carinho também estarão comigo para sempre.

Grande Zé Recife.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

Saber ouvir

Depois de um período de alguns anos, resolvi voltar a fazer terapia. Se fosse gratuita, diria que todos nós deveríamos consultar um psicólogo.

Um terapeuta está ali para ouvir todos os problemas, todas as neuras, fobias, enfim, todo um lado de nossa personalidade que, as vezes não compreendemos e não sabemos lidar.

Ele não te julga, aliás, não é nem seu papel, pelo contrário. O papel principal de um psicólogo é fazer com que você consiga compreender o funcionamento da sua mente, a lógica de suas ações para, ou aceitá-las ou mudá-las, se você se convencer que isso é importante.

Além disso, ele é pago para ouvir tudo que você tenha a dizer. Todos nós temos a necessidade de por pra fora o que sentimos. Convenhamos que, se você fizer isso rotineiramente com amigos, colegas de trabalho, no seu relacionamento ou família, uma hora alguém explode ou as pessoas se afastam. História triste, todo mundo tem e, nada mais chato que ficar ouvindo um amigo todos os dias falando sobre os mesmos assuntos, seus problemas, fazendo de você seu psicólogo particular.

Não temos nem tempo, nem cabeça nem treinamento para isso. Um analista profissional tem todo o tempo do mundo (ou pelo menos parece ter, até aquele reloginho que nunca esta a vista, "avisa" que "nosso tempo acabou por hoje"), tem o treinamento e o conhecimento teórico necessário para escutar e comentar, de forma produtiva, além de conseguir o mais difícil, esquecer suas próprias adversidades para encarar, com peito aberto, os de seus pacientes.

Para alguém como eu que tenho uma dificuldade tremenda em me comunicar, em me abrir totalmente, de me expressar meus medos, fraquezas, problemas, é um desafio enorme.

Por outro lado, sempre foi uma experiência gratificante. Falar sem censuras, procurar me entender, ter alguém disposto a me ouvir e passar feedbacks importantes que me fazem pensar e divagar...

Para mim nada muda enquanto eu não me convencer que determinado curso ou ação que tomo, não é o melhor. Por mais que eu "saiba" que não estou agindo corretamente, só sendo convencido de forma racional, que estou errado, consigo me programar para funcionar de forma diferente.

Mas é para isso que minha terapeuta esta ali. Para me ajudar a compreender como funciono. Para, com comentários, observações e, as vezes, pauladas, ajudar a identificar, compreender e, eventualmente, resolver minhas neuras.

Em uma de nossas primeiras conversas, falamos de um tema extremamente importante para que a terapia seja realmente efetiva:

Aprender a ouvir, sem medos, sem inventar histórias para si, aceitando o que está sendo colocado sem entrar em modo de autodefesa.

As respostas sempre estão em nós mesmos. O psicólogo só te ajuda a encontrá-las. Não adianta nada se você não o escutar de verdade.

Quando falei de meu tempo prévio de terapia, ela me disse: "eu falava uma série de coisas para você, mas será que você realmente ouvia?"

Ela tem razão! Quando falava comigo em tempos idos, eu a ouvia e não a escutava. Ou ouvia quando me era conveniente...

Uma postura que, mesmo que inconsciente, passa um ar de arrogância tremendo que normalmente faz com o interlocutor exiba uma certa antipatia por suas ideias, palavras, antes que você tenha chance de expô-las.

Hoje, mais maduro, com mais experiências boas e ruins, consigo entender a importância deste conceito, de saber ouvir. Todo mundo quer partilhar suas experiências, suas ideias, o mundo é feito de várias e para várias pessoas. Quem não consegue empatizar com seu semelhante, tem sérias dificuldades de se inserir no mundo e, arrisco dizer, de ser feliz...

Um dos componentes mais importantes da felicidade é ter carinho e amor, seja em um relacionamento, amigos, família e, saber ouvir, é uma condição sine qua non para fechar essa equação.

Como diria o sensacional escritor americano, Charles Bukowsky: "Um ouvido aberto é o único sinal acreditável de um coração aberto".

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Europa, a lua de gelo

Europa é uma das 67 luas conhecidas de Júpiter. Foi a primeira lua orbitando um outro planeta a ser identificada. Foi descoberta em 1610 pelo astrônomo Galileo Galilei.

Esse notável feito, junto com o mapeamento de mais três luas Jovianas, foi um dos fatores determinantes para validar a teoria de Galileo, de que os planetas do sistema solar giravam em torno do sol, e não da terra como se acreditava. Uma mudança sem paralelos, nos conceitos científicos.

A lua recebeu este nome da mitologia grega. Pela lenda, Zeus, extasiado com a beleza de Europa, filha do rei Agenor, desce a terra no formato de um grande touro branco e a sequestra, levando-a montada em suas costas, através do mar Egeu, até a Ilha de Creta, onde assume seu aspecto verdadeiro e a possui, tendo com ela vários filhos.

O que Galileo não sabia, entretanto, é que atravessar o espaço para chegar à Europa, pode ser, para o século XXI, o que as grandes navegações foram para o século XV.

Assim como os marujos portugueses, que enfrentaram águas desconhecidas em suas pequenas naus de dois mastros, impulsionados pela vontade de encontrar novas terras e riquezas, sua enorme coragem e o espírito explorador inato da espécie humana, o homem se prepara, nos próximos, 20, 30 anos para sua próxima grande e, talvez final, epopéia em busca da vida extraterrestre.

Europa é mais ou menos do tamanho da nossa lua e tem uma órbita estacionária em torno de Júpiter, isto é, a mesma face do astro esta sempre virada para o planeta.

Além disso, a lua está situada a 780 milhões de quilometros do sol e recebe, portanto, pouquíssima radiação solar. sendo composta, basicamente, de um oceano de água salgada,  coberto por uma eterna crosta de gelo.

Água, fonte de energia e calor são essenciais a formação da vida. Já se especulava a existência de seu vasto oceano desde que enviamos a sonda Galileo para explorar Jupiter e suas luas.  A tecnologia da época, entretanto, não permitiu análises mais detalhadas da superfície, sua composição e do interior de Europa.

Estudos mais recentes que utilizam o telescópio espacial Hubble e analises modernas de desvios de luz e gravidade, comprovaram a tese dos oceanos em estado líquido, que conseguem se manter desta forma, pelo forte e constante movimento da maré, influenciada pela gravidade de Júpiter. O movimento das ondas geraria energia e calor.

Agora em Abril, a NASA publicou um novo estudo(http://www.nasa.gov/topics/solarsystem/features/europa20130404.html) em que revela a descoberta de peróxidos na superfície da lua que serviria para fechar a equação "vida unicelular" ou porque não, pluricelular, em Europa.

O planeta tem água, fonte de calor comprovada (Também se especula que, no fundo do oceano, a lua tenha forte atividade vulcânica semelhante a que encontramos nas fossas abissais dos oceanos terrestres, que sustentam um rico ecossistema que não depende da luz solar). Faltava comprovar a existência do manancial químico necessário para a vida.

A água relativamente quente dos oceanos de Europa, protegida da radiação espacial (não existe atmosfera na lua) pela camada de gelo eterno que cobre o astro, tem uma grande chance de abrigar vida.

Os problemas técnicos para uma missão espacial que fosse capaz de pousar e explorar o oceano escondido de Europa são vários. Por outro lado, neste exato momento, temos cientistas de todo o mundo engajados em projetos que buscam soluções para suplantá-las.

O primeiro dos desafios vem do fato que uma astronave demoraria cerca de 5 a 6 anos (com todos os problemas que uma viagem espacial desta duração acarretam no corpo e na mente humana), atravessando ventos solares extremamente radiativos, além do fato que, mesmo na velocidade da luz, comandos da terra a sonda, levariam horas para ser recebidos.

Difícil, mas, com as devidas proporções, são dificuldades semelhantes as que os portugueses enfrentaram ao desafiar o desconhecido Oceano Atlântico, com os parcos conhecimentos científicos da época.

Mais fáctivel nas próximas duas décadas, é mandarmos uma nave não tripulada, que carregaria uma sonda e um submarino e pousaria "as cegas", em um terreno escolhido por suas condições geográficas e também pela espessura da camada de gelo que cobre o mar de Europa.

A sonda seria equipada com uma perfuradeira que emitiria calor, derretendo e penetrando na camada de gelo de quase 15 quilometros, até atingir o oceano. Uma espécie de submarino seria ejetado da sonda, com capacidade para explorar, tirar fotos, analisar materiais e, muito provavelmente, comprovar a existência de vida nas águas salgadas e escuras de Europa.

Seria, uma mudança tão radical de conceitos científicos, filosóficos, sociológicos e, até, religiosos (Não estaríamos mais sozinhos no universo!) como foi a descoberta das Américas pelos navegadores Ibéricos.

Para que isso aconteça, teríamos que mobilizar uma enormidade de recursos. É difícil conceber que só um país consiga arcar com esta empreitada. É mais fácil imaginar uma missão financiada globalmente.

Já se especula que, até 2030, teremos uma sonda em Europa. Missões tripuladas ainda não estão no escopo das grandes agências espaciais. Mas certamente estarão, se for comprovada a existência de vida em Europa.

Espero que eu esteja vivo para ver isso acontecer, um milagre da engenhosidade humana, que nos levaria a fronteira final, a resposta definitiva sobre a existência de vida extraterrestre.

Video que ilustra uma possível viagem espacial a Europa: