segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A última viagem do homem

O mundo terminou no dia 27 de agosto de 2036. Ou pelo menos esse foi o dia em que o oxigênio acabou. Tento não pensar em todas as pessoas que ficaram para trás, morrendo em agonia lenta, asfixiadas.

Sou um dos poucos sobreviventes da espécie humana. Tenho mais de cinquenta anos, um paradoxo, visto que os poucos escolhidos para fazer parte deste grupo são, em sua grande maioria, jovens na casa dos seus 30 anos. Ao todo, utilizando o elevador orbital que conectava a base de alcântara, na zona do Equador Brasileiro ao espaço, construímos vinte e cinco naves, cada uma do tamanho de 5 transatlânticos enfileirados.

Tento me lembrar que isso era  necessário para garantir a continuidade de nossa espécie. Muitos artistas excepcionais, escritores, músicos, poetas, filósofos e intelectuais ficaram para trás.

Tento, em vão, esquecer que ela ficou para trás...

O novo governo, que surgiu depois das guerras do oxigênio, optou por escolher somente indivíduos essenciais para a nova colônia. As naves, cada uma com capacidade para 6.000 pessoas, entre tripulantes e passageiros, estavam apinhadas de engenheiros, arquitetos, médicos, cientistas, geólogos, nutricionistas, físicos, matemáticos e biólogos.

A grande maioria foi selecionada não só por suas mentes brilhantes, mas também por seus corpos perfeitos. Não tínhamos cem por cento de certeza de como reagiríamos a dura viagem de quase dois anos pelo espaço sideral mas tínhamos certeza que os mais fortes teriam maiores chances de sobreviver a essa jornada e a vida na nova colônia.

Para garantir a ordem na lua de Saturno, o comando unido da Terra contava com cerca de 4.000 soldados, todos oriundos das melhores tropas especiais do planeta.

Uma das naves, chamada ironicamente de arca de Noé, transportava uma enorme variedade de animais e plantas. Com eles viajavam os oficiais do CPB (Comando de Preservação da Biodiversidade) um grupamento especial de veterinários, zootécnicos, botânicos e outros cientistas especialmente treinados para garantir a sobrevivência da carga viva.

Além disso, esta "arca" levava filamentos de DNA de toda a flora e fauna terrestre. Se encontrássemos condições propícias, poderíamos, um dia, cloná-los.

Tento, de novo, afastá-la de minha mente...

A maior parte do serviço braçal era feito por CSK-400s, robôs de última geração produzidos especialmente para a viagem, dotados de inteligência artificial e características físicas muito semelhantes as dos humanos. Era difícil não sentir um calafrio na espinha ao ficar frente a frente com uma dessas máquinas. Eram capazes de levantar centenas de quilos, caminhar pelo exterior da nave sem nenhum tipo de proteção, se comunicar perfeitamente em vários idiomas além de parecerem dotados de emoções...

Esses robôs, apesar do medo gutural que instigavam, seriam essenciais para o sucesso da missão. Só eles poderiam fazer a manutenção das turbinas nucleares e outros reparos externos necessários devido as constantes colisões com asteroides. Além disso, lá fora, estaríamos expostos aos raios cósmicos e ventos solares que matariam um ser humano em questão de minutos.

Também pretendíamos utilizá-los nas missões exploratórias em Europa, tanto em sua superfície quanto em seu misterioso oceano interior.

Europa sempre foi uma das luas de Saturno que mais instigou a curiosidade da comunidade científica. Sua superfície coberta de gelo, garantiria toda a água que necessitaríamos em Nova Terra (como os passageiros das naves já começavam a se referir ao astro). As enormes máquinas de tratamento hídrico seriam montadas assim que desembarcássemos.

Quando a missão Veritas descobriu a existência de vida na lua há 10 anos atrás, sabíamos que colonizar Europa seria nossa única chance de sobrevivência.

As vezes é difícil acreditar que o mundo acabou. Aquela enorme erupção no planalto central brasileiro, cobriu os céus de fuligem há quase uma década. Sem o sol, as plantas morreram aos poucos. Sem as plantas...

Por mais de 100 mil anos, o homem explorou os recursos naturais da terra de forma irresponsável e desenfreada. Pagamos um alto preço por isso.

Minhas pesquisas descobriram o processo de fissão nuclear que permitiu o desenvolvimento dos motores que nos levariam a Europa e gerariam toda a energia que precisaríamos em nosso novo lar.

Me trouxeram por isso.

Vim nessa viagem contra minha vontade. Não queria tê-la deixado para trás. Tinha me preparado para morrer com ela, em nosso refúgio nas praias do litoral norte. Mais alguns anos da grande noite e estaríamos todos em paz.

Mas fui dopado e sequestrado pelo exército. Eu era necessário para operar, construir e ensinar a tecnologia de fissão nuclear (Só eu e a Dra.Wilkins à dominávamos totalmente).

Um dos meus maiores sonhos de criança era viajar pelo espaço, mas isso não me importava, não tinha sentido sobreviver sem ela. Implorei por sua vida mas de nada adiantou. Ela não era necessária. Apesar de brilhante em seu campo de atuação, não tinha nem a idade, nem a profissão ideal. Era descartável.

Sabedora de que nunca partiria sem ela, minha linda companheira, uma das mulheres mais inteligentes e corajosas que já conheci, fez um último sacrifício. O mais nobre que alguém pode fazer por amor.

Três meses antes da data programada para a decolagem das arcas, nos preparou um delicioso jantar (não sei onde conseguiu aquele salmão, visto que os peixes estavam quase extintos há anos) à luz de velas. Após a refeição, fizemos amor nas águas de nossa praia particular. Ela me disse que me amava e eu lhe disse que nunca iria abandoná-la. Dormimos abraçados na areia.

Quando acordei pela manhã, ela ainda estava em meus braços. Mas senti que algo não estava normal. Ela estava fria... Tentei acordá-la, ela não se mexia. Medi seu pulso... E não havia pulso....

Naquele momento vejo vultos vindo em minha direção e sinto uma picada em meu pescoço. Perco os sentidos em segundos e, quando acordo, já estou dentro da nave. Comandos das forças especiais, que nunca tinham deixado de me vigiar, me raptaram, antes que eu reagisse. Depois fiquei sabendo o que tinha acontecido. Ela havia se suicidado para que eu pudesse seguir viagem.

Deixou para trás somente um bilhete... Simples, direto e singelo, como tudo em sua vida.

"Estarei sempre com você..."

Foram suas últimas palavras...





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